segunda-feira, 15 de março de 2010

Antes que os vaga-lumes desapareçam

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Antes que os vaga-lumes desapareçam

O 27 de março, entre 20,30 e 21,30, o WWF convida todo mundo a apagar as luzes por uma hora, para testemunhar nossa preocupação com o aquecimento global e com a perda da biodiversidade. O ano passado mais de um bilhão de pessoas apagou a luz em 88 países e mais de quatro mil cidades apagaram a luz dos principais monumentos, como o Coliseu, em Roma, a Torre Eiffel, em Paris, o Golden Gate em Los Angeles, e no Rio de Janeiro, o Cristo Redentor. Corretamente o WWF lembra que a geração elétrica para a iluminação pública representa uma contribuição pesada às emissões dos gases efeito estufa, que são causa do aquecimento global e da perda da biodiversidade.

A editora Annablume não podia escolher data mais apropriada para o lançamento do livro de Alessandro Barghini; “Antes que os vagalumes desapareçam”, livro resultado de uma tese de doutorado defendida do Instituto de Biociências da USP, e publicado com o apoio da FAPESP.
De fato o livro, partindo da metáfora dos vagalumes, cuja reprodução é afetada negativamente pelo uso crescente da iluminação externa, realiza uma análise ampla dos efeitos que a iluminação artificial está gerando na biosfera.

O caso dos vagalumes é curioso, como escreve Barghini: “Em 1° de fevereiro de 1975 o escritor e diretor de cinema italiano Píer Paolo Pasolini (1975) publicava no maior diário italiano Il Corriere della Sera, o artigo “O vazio do poder”, que ganhou notoriedade imediata, ficando famoso como o ensaio sobre os vaga-lumes. O artigo começa com as seguintes palavras: “No começo dos anos 1960, por causa da poluição do ar e, principalmente no campo, por causa da poluição da água os vaga-lume começaram a desaparecer. O fenômeno foi fulminante e fulgurante. Após poucos anos os vagalumes não existiam mais.”

Sem sabê-lo, Pasolini, estava apontando o efeito da difusão massiva da iluminação artificial sobre a vida silvestre. De fato a explicação mais provável para o desaparecimento dos vaga-lumes não é a poluição do ar ou das águas, mas provavelmente o início da difusão da iluminação pública ocorrida na época na Itália devido ao crescimento econômico e à introdução de novos sistemas de iluminação pública com lâmpadas a descarga, muito mais eficientes que as lâmpadas incandescentes, utilizadas até aquele momento. A razão do desaparecimento é simples: o lampejo dos vaga-lumes é uma forma de atrair o parceiro para o acasalamento, mas a radiação por eles emitida é muito tênue.

Portanto, para ser percebida pelo potencial parceiro é necessário que a iluminação ambiente seja inferior a 0,5 lux e o aumento da iluminação pública ultrapassa esses valores. Por uma economia de recursos, os vaga-lumes não emitem radiação quando o nível de iluminação ambiente é superior a 0,5 lux. Com a iluminação pública que estava se espalhando pelo país, os vaga-lumes acabaram reduzindo o número de acasalamentos e a população definhou.”

Esse é apenas um exemplo dos múltiplos impactos que o uso não controlado da iluminação exerce sobre o mundo vivente. Afinal a vida evoluiu, durante mais de três bilhões e meios de anos, em uma alternância de períodos de luminosidade e de escuridão e a biota se estruturou nessa alternância, utilizando bandas específicas da radiação solar. A iluminação artificial não controlada, quebrando a alternância de claridade e obscuro, afeta em diferentes modos, os seres viventes. Por exemplo, afeta a foto morfogênese das plantas, reduz a capacidade de reprodução das tartarugas marinhas, desorienta aves migratórias e quebra o ecossistema de mamíferos noturnos.
Barghini, em sua pesquisa, demonstrou também que a atração de insetos vetores de doenças pela iluminação artificial aumenta o risco de difusão de doenças transmitida pelos insetos, como a malária, o mal de Chagas e a leishmaniose.

Apesar dos benefícios proporcionados ao homem, a iluminação artificial não controlada pode ser fonte de distúrbio do sono, de iper excitação e pode favorecer a instauração de doenças degenerativas, como o câncer de mama.

Todos esses temas são abordados no livro, percorrendo um longo caminho que, iniciando com a análise da radiação natural do sol, passa a analisar a radiação artificial das lâmpadas hoje utilizadas, mostrando de que forma os diferentes comprimentos de onda exercem sua influência sobre plantas, insetos e vertebrados. O tema é altamente interdisciplinar, mas como comenta o entomólogo Sergio Vanin, na introdução do livro, o autor “é um raro exemplo de pesquisador dotado de conhecimentos multidisciplinares e que consegue transitar com desenvoltura e segurança nas áreas das ciências exatas, biológicas e sociais.”

Por essas considerações, o livro é sem dúvida a leitura mais apropriada para preparar-se à “Hora do planeta”. Então, dia 27 de março, entre 20,30 e 21,30, vamos apagara as luzes, e durante esse período vamos refletir sobre a radiação artificial e seus efeitos perversos sobre a biosfera, nos propondo um uso mais consciente desse grande benefício que a técnica nos fornece.

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