terça-feira, 12 de abril de 2011

Entrevista com Ronaldo Wrbel autor de Traduzindo Hannah

Como surgiu a história que se desenrola no livro?

Um professor de psicologia me ensinou, há muitos anos, que somos todos parecidos uns com os outros. Temos mais ou menos os mesmos problemas e o nosso maior medo é que os outros descubram isso. Essa lição me impressiona até hoje. É nela que baseio \ história de Traduzindo Hannah. Os personagens e o ambiente histórico foram inspirados nos imigrantes judeus chegados ao Brasil nos anos 20 e 30, fugindo dos massacres, guerras e revoluções que atingiam a Europa.

Existe uma pitada de história ou vivência pessoal ou familiar?

Com certeza. Meus avós e tios-avós vieram do leste europeu no começo do século. Cresci ouvindo histórias sobre fugas, separações, reencontros etc. A adaptação ao Brasil era especialmente fantástica. Imagine o que significava sair de aldeias isoladas e miseráveis na Polônia ou na Rússia para cair num Rio de Janeiro ensolarado e acolhedor. Boa parte do romance se passa na Praça Onze, onde judeus se misturavam com negros, portugueses, italianos, árabes. A própria comunidade judaica era cheia de contrastes e polêmicas com suas figuras típicas: comunistas, sionistas, ortodoxos, polacas, casamenteiros etc. A trama central é fictícia, mas há várias biografias ali – inclusive a minha.

Ao discorrer no livro há algum processo de pesquisa? Qual foi ele?

Pesquisei muito a Era Vargas e o período conhecido como entreguerras no Brasil e no mundo. Entrevistei idosos, frequentei asilos e clubes. Contei com excelentes obras acadêmicas e livros como Na Fogueira, do jornalista Joel Silveira, que recorda o Brasil dos anos 1930.  Também consultei jornais de época na Biblioteca Nacional como o Correio da Manhã, O Globo e Jornal do Brasil. Aliás, é apaixonante ler os jornais daquele Rio de Janeiro, onde os embaixadores se espionavam e vendiam-se “bangalôs nos arenosos subúrbios de Ipanema e Leblon” (palavras de um anúncio imobiliário de 1937, com fotos e gráficos explicativos).


Por que a época de Vargas?

Porque foi um período trágico e romântico, de grandes ideais. O bem e o mal se enfrentavam nas ruas com uma paixão rara hoje em dia. Todo mundo queria salvar o mundo, acabar com a injustiça, com a pobreza. Havia uma ingenuidade, um heroísmo inocente nos movimentos organizados. O Rio era uma capital vibrante e politizada. Para imigrantes judeus como Max Kutner, meu personagem central, foi uma coisa incrível escapar da penúria e do antissemitismo na Europa para viver num país enorme, colorido e hospitaleiro, onde não faltava comida e fazia calor o ano inteiro. Na velha Rússia as pessoas costumavam dizer que a América era um paraíso porque ali se comia laranja todos os dias. No Brasil também se comia banana, mamão, manga: frutas que não existiam na Europa.

Quanto tempo demorou para escrever o Traduzindo Hannah?

Seis anos, com alguns intervalos e recuos. Não foi um trabalho linear. Parei no meio e refiz muita coisa. Só as revisões duraram dois anos. Cortei muita coisa, quase um terço da história e personagens que estavam sobrando. Um capítulo enorme e passado na Amazônia acabou reduzido a dois parágrafos. Mostrei o livro para os amigos, ouvi conselhos etc. O final também foi reescrito várias vezes. Depois, o livro passou pelo crivo de uma professora de iídiche e de um historiador.

Você já escreveu outros livros. Porque o desafio de um romance adulto?

Porque sou adulto, gosto de sê-lo e não saberia escrever para outro público. Os personagens de Traduzindo Hannah passam por transformações tipicamente adultas, abolindo certezas, enfrentando dilemas e traumas, sendo surpreendidos, sucumbindo ou superando desafios pelo caminho. É um livro essencialmente reflexivo, apesar da trama “vertiginosa”, nas palavras de Cíntia Moscovich.

E sua formação em advocacia, o que complementa no aprendizado do livro?

A prática da advocacia pode ser uma excelente fonte de ideias. O Direito Forense, por exemplo, é quase todo feito de argumentos, de conflitos nem sempre solúveis. O Tribunal de Justiça do Rio está cheio de histórias maravilhosas. Aliás, um dos lemas de Traduzindo Hannah foi inspirado na rotina dos juízes que conheci: é mais fácil julgar sem compreender do que compreender sem julgar. Há questões de alta complexidade, que só são julgadas porque precisam sê-lo, e não porque o juiz esteja realmente convencido de sua sentença. Em nossas vidas acontece mais ou menos a mesma coisa, inclusive diante do espelho.

O livro trata de assuntos como prostituição, quebra de sigilos, perseguição, antissemitismo etc., e com bom humor. Como foi essa escolha e o processo para desenvolver o texto?

Cresci ouvindo histórias da comunidade judaica da Praça Onze, onde essas questões eram corriqueiras. De certo modo, são questões corriqueiras para todos porque nossos desafios são mais ou menos parecidos, como disse o meu professor de psicologia. Quanto ao humor, sou bem humorado até nos piores momentos, o que é visto como um traço tipicamente judaico. O humor judaico é aquele que tira proveito de tudo e de todos, em geral com um sentido crítico e moral. Procuro fazer textos bem humorados, com um pé (ou um dedão) nos absurdos cotidianos. Costumo dizer que as coisas reais são interessantes por natureza, porque existem e pronto. Já as criações têm o dever de ser interessantes para chamar a atenção do público. O humor é um excelente chamariz.

No livro, você fala que na praça XI no Rio de Janeiro, é um local onde se encontram várias etnias, cores e credos. Você vê o Brasil como um local ‘misturas’ e isso é interessante na sua vivência para escrever o livro?

O Brasil é uma festa de crenças, raças, tradições etc. Um rabino estrangeiro me disse que é difícil sustentar a religiosidade num lugar tão gregário, onde todo mundo cobiça a fé do próximo e cede um pouco da sua. Para os imigrantes judeus foi espantoso chegar num lugar assim depois de tantos séculos de discriminação. Meu avô era irmão do Adolfo Bloch, que apesar de ser um judeu convicto, foi casado por muitos anos com uma não-judia. Outro tio russo casou com uma índia nos anos 1950! Minhas avós diziam que nunca existiu antissemitismo de verdade no Brasil, só movimentos isolados como o integralismo. Getúlio Vargas não teria perseguido judeus por causa do judaísmo em si, mas porque havia muitos judeus de esquerda. Por sinal, Vargas também perseguiu alemães, italianos e japoneses. Era um nacionalista ferrenho.

O universo do texto é claramente judaico em sua maioria. Você acha que alguém que não conhece a cultura e hábitos judaicos podem ter em prazer em ler o seu livro?

Sim, com certeza. Em primeiro lugar porque o judaísmo não é uma cultura isolada. Pelo contrário. Judeus sempre dialogaram com outros povos, trocando influências desde a Antiguidade. Os costumes ocidentais têm praticamente a mesma origem, que é a chamada cultura judaico-cristã. É verdade que o livro destaca uma comunidade específica na Praça Onze carioca, mas as questões tratadas são universais: paixão, medo, ambição. As palavras em iídiche ou hebraico dão um tom pitoresco ao texto e têm um sentido intuitivo, ou seja, não comprometem a leitura (quem quiser saber mais terá um glossário no final). Os não-judeus compreendem perfeitamente o livro e ainda acham graça nas tradições que não conheciam.

E para a comunidade judaica, o que o livro traz de mais interessante? Será que não é apimentado de mais?

O livro trata de questões ainda hoje incômodas para a comunidade judaica, como as polacas e os rufiões judeus. Mas não escrevi um panfleto elogioso sobre o povo judeu, nem acho inteligente esconder a sujeira da história para transformar o passado num conto de fadas, com bruxas e fadas. Os dilemas, as vergonhas, os erros do passado devem ser sempre conhecidos e revisitados, inclusive para que alguns não se repitam. A História é um legado a ser estudado com honestidade. Seria ofensivo, para todos nós, que daqui a um século a posteridade retratasse a nossa época com distorções e maniqueísmos só para atender aos seus interesses.

Qual é sua base literária? Quais são os textos ou autores der mais importância?

Gosto de contadores de histórias e os judeus são hábeis nisso. Cito Stefan Zweig, Isaac Bashevis Singer e Moacyr Scliar. Primo Levi também é um excelente autor, mais centrado na Segunda Guerra e suas consequências. Em termos de romance histórico, admiro muito Equador, de Miguel Sousa Tavares. Mario Vargas Llosa também é um excelente fabulador em Tia Júlia e o Escrevinhador. Fora da ficção, recomendo os livros do economista Eduardo Giannetti, ensaios inteligentes sobre temas filosóficos. Ou seja, não tenho uma base literária específica, identificada com movimentos ou autores em particular.

Quando cursou Direito na PUC-Rio? Fez alguma outra graduação ou curso de especialização ? Onde?

Formei-me em Direito em 1998, aos 30 anos, tardiamente porque antes disso estudei Psicologia na mesma PUC-Rio. Larguei o curso no sétimo período, quase diplomado, porque já não queria ser psicólogo. Gostava mesmo é das leituras de Freud, Jung, Erich Fromm e uns tantos pensadores que me influenciaram decisivamente. O diploma em Direito também foi atrasado porque no meio do curso comecei a escrever meu primeiro romance, Propósitos do Acaso. Depois de formado, fiz vários cursos de especialização em roteiro para cinema e televisão, com profissionais como Doc Comparato e Paulo Halm. Talvez por isso muitos digam que meus livros são “imagéticos”.


Contatos com o autor:

Site http://ronaldowrobel.com.br 
Celular: (21) 8101-1122

Nenhum comentário:

Postar um comentário