segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Pedra de Sol em Edição Bilíngue - Selo Demônio Negro

Crédito: Renata Forato


Pedra de Sol em Edição Bilíngue - Selo Demônio Negro
(Release e entrevista)

Pedra de Sol, do poeta mexicano Octavio Paz, laureado com o prêmio Nobel de Literatura em 1990, ganha uma tradução revisada em edição bilíngue após 20 anos. O tradutor e poeta Horácio Costa fez a primeira edição de Pedra de Sol em 1988, e é um dos mentores do projeto de divulgação da poesia paziana, na qual se aprofundou durante o período em que lecionou na UNAM, Universidade Nacional Autônoma do México.
Durante boa parte do ano de 1957, Octavio Paz se dedicou a mesclar história, cultura Maia e Náhuatl e simbologia durante a escrita de Piedra de Sol, poema que se tornaria um texto-chave de sua produção poética e é publicado original e na íntegra nesta edição bilíngüe do selo Demônio Negro da editora Annablume. A gigantesca Piedra de Sol, um importante monolito-calendário da civilização Asteca, foi idealizado com a função de organizar, num continuum mensurável pelo homem, o dever temporal. Por isso, é o objeto que empresta nome a este poema que pressupõe repetição cíclica, numa dinâmica sugerindo eterna continuidade, umas das grandes características do poema de Octavio Paz.
A versão em língua portuguesa procurou manter a intensidade da obra original, apesar de ter sofrido algumas transformações pontuais, subordinadas a aspectos importantes para o poeta Horácio Costa, principalmente a preservação da entonação e do ritmo, valores de respiração e dicção que via como marcas distintivas no texto de Octavio Paz.

Sobre o autor:

Horácio Costa (São Paulo-SP, 14/12/54). Formado em Arquitetura e Urbanismo (FAUUSP, 1978); Mestre em Letras (New York University, 1983), PhD em Yale (1994). Professor na UNAM (México), 1987-2001. Desde então, é professor da FFLCH-USP. Publicou 28 poemas 6 contos (São Paulo, 1981); Satori (São Paulo, 89), O livro dos Fracta (México e São Paulo, 90), The very short stories (São Paulo, 91; México, 95), O menino e o travesseiro (São Paulo, 93; re-edição 03; México, 98); Los jardines y los poetas (Caracas, 94), Quadragésimo (México, 96 e São Paulo, 99) e Fracta — antologia poética (São Paulo, 04 e México, 09), Paulistanas & Homoerótias (São Paulo, 07 e Ravenalas (São Paulo, 08). Livro de poesia por publicar-se: Ciclópico Olho. Traduziu e publicou Octavio Paz (Piedra de Sol/Pedra de Sol, Rio, 88 e São Paulo 09), Elizabeth Bishop (Antologia Poética, São Paulo, 90), César Vallejo (Poemas Humanos; México, Rio e Lisboa, 92), Xavier Villaurrutia (Nocturnos; Lisboa, 94), José Gorostiza (Morte Sem Fim e Outros Poemas; São Paulo, 03); por publicarem-se Xavier Villaurrutia (Poesia Completa) e Blanca Varela (Canto Vilão). Organizou três eventos internacionais de poesia: "A palavra poética na América Latina, avaliação de uma geração" (São Paulo, Memorial da América Latina, 90; publicada em livro) e "O veículo da poesia" (São Paulo, Biblioteca Mário de Andrade, 98) e Mar Aberto – poesia em português e nas línguas da Espanaha: um diálogo histórico, uma futura aliança? (São Paulo, Centro Cultural da Espanha/Instituto Cervantes/Casa das Rosas, 07). Outros livros: José Saramago: o período formativo (Lisboa, 97 e México, 03) e Mar abierto: ensayos sobre literatura brasileña, portuguesa e hispanoamericana (México, 01;por publicar-se: São Paulo, 2010). Foi júri de vários certames literários na Venezuela, no México e no Brasil. Tem mais de 60 artigos publicados em livros e revistas internacionais. É assessor da Fapesp e da Capes. Tem poemas ou livros traduzidos ao espanhol, inglês, francês, romeno, macedônio e búlgaro. Foi presidente da ABEH — Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (06-08) e atualmente coordena o “Programa da Estudos da Diversidade (Homo) Sexual-PEDHS” da USP.

ENTREVISTA

Caros colegas,
segue a entrevista desenvolvida com Horácio Costa: Caso não possam publicar na integra, peço cuidado para que o sentido das perguntas e respostas não sejam modificados caso inseridos em outros textos.
Grato,
Nicolau Kietzmann

Um pouco sobre Pedra de Sol de Otacvio Paz e o tradutor e poeta Horácio Costa

A sua formação acadêmica o auxiliou de que forma no ofício de poeta ou a de poeta na academia?


Sou arquiteto de formação e escrevo poesia desde antes de entrar na FAU-USP. A um dado momento, nos anos 70, quis saber mais de literatura, não apenas de poesia: quis saber mais sobre o fenômeno literário, digamos assim. Comecei a freqüentar cursos na Letras e logo tentei matricular-me na pós em Letras, cheguei a fazer alguns cursos de pós como ouvinte. Mas a USP àquela época não permitia tais saltos. O jeito foi pedir uma bolsa para os Estados Unidos, para a New York University, onde fiz o mestrado e depois de um intervalo no México, onde aconteceu a mesma coisa do que na USP -isto é, não fui aceito para o doutoramento em Letras por ser originalmente arquiteto- a Yale, onde fiz o PhD. Nas duas universidades nas quais fiz carreira acadêmica, na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e na USP, primeiro não fui aceito como aluno e logo ganhei concurso como professor de Letras. Isso diz algo, não?

Sua atração pela obra do mexicano Octavio Paz surgiu durante sua atuação como professor da UNAM entre 1987 e 2001?

Vivi no México por dois períodos (1983-4, entre o M.A. e o PhD.; e 1987-1997). Desde o primeiro, entrei em contato com o Octavio Paz, quem a princípio foi muito generoso comigo. Senti a barra da situação de excepcionalidade na qual ele vivia no México de então, e fui um dos primeiros a escrever sobre a sua maravilhosa biografia de Sóror Juana Inés de la Cruz (1642-1690). Já tinha estudado a sua poesia em Nova Iorque, e escrito um ensaio, justamente, sobre Pedra de Sol (em 1982, num curso do saudoso John Alexander Coleman). Me fascinou como um poeta podia ter tamanha ressonância e uma voz tão poderosa em seu país, e como a sua produção poética era ao mesmo tempo ambiciosa e cosmopolita e tão próxima a temas de sua cultura de origem.

Qual é a importância da obra de Octavio Paz em sua trajetória de poeta? O senhor tem formação em Arquitetura, a valorização da linguagem se deve ao fato de esse poeta mesclar estética ao seu trabalho?

Tinha vinte e oito anos quando comecei a conviver a bem dizer semanalmente com Octavio Paz, em 1983. Pouco depois, houve a homenagem de Estado ao poeta, quando ele cumpriu setenta, no ano seguinte. Foi lá que estreitei os laços com Haroldo de Campos. Éramos os dois poetas de língua portuguesa naquele evento e nos aproximou o grande crítico literário uruguaio Emír Rodríguez Monegal, quem se tornaria o meu orientador em Yale. O cenário mexicano daquela época, sob o predomínio do PRI, era muito interessante para um brasileiro que vinha de uma ditadura militar, como eu. A relevância da cultura naquela sociedade, ainda que um pouco baseada em ideais de princípio do século passado, era a bem dizer oposta ao que eu experimentara em casa, e Octavio Paz estava no meio disso. Entre ele e Haroldo havia a ideologia comum de assentar as bases de uma tradição de vanguarda latino-americana, com as diferenças que os contextos mexicano e brasileiro pressupunham. Naquele momento da minha escritura poética, aprendi muito com Paz, e traduzir Pedra de Sol fez parte desse aprendizado.

Evidentemente, quem estudou arquitetura está preparado para encarar o fato literário como uma experiência da linguagem para lá dos signos verbais, o que me facilitou sobremodo entender certos vieses barrocos na poética de Paz -e na de Haroldo, e em geral, diga-se de passagem-, que se casam com postulados e concreções da vanguarda. Sou um fascinado pelo barroco, inclusive pela pintura e pela arquitetura barrocas.

A tradução desse poema já havia sido publicada na década de 80. Por que a escolha de relançar uma edição desse poema em 2010? Algo mudou? O quê?

Sim, é uma re-edição da tradução de um poema importante, cuja edição se esgotou há anos. O fato de sair em 2009 e não em 2011 ou 2001 é fortuito. O Vanderley Mendonça, da Annablume/Selo Demônio Negro, publicou o meu livro de poemas Ravenalas, no ano passado, e assim começamos uma relação poeta/editor que tem sido muito boa e é muito rara. Ele me perguntou o que eu queria publicar depois e lhe comentei que o poema longo do Paz estava esgotada há muitos anos. Ora, um poema como esse fica cada vez mais importante com o tempo.

Essa é apenas uma das maravilhas da poesia. Sua legibilidade só faz aumentar. É o que acontece, por exemplo, com os poemas de Gôngora, por séculos esquecidos e logo postos na berlinda. Ou as Leaves of Grass e Whitman. Quer saber o que eram os Estados Unidos pré-imperiais? pois, leia-se Whitman, ponto. E porque ler Pedra de Sol apenas em espanhol se temos uma tradução ao português aprovada pelo próprio poeta, como é o caso desta? Também, creio que muita gente se pergunta sobre os meus poemas longos, que venho publicando desde o princípio de minha escritura poética. Pois eu ajudei a recolocar o poema longo na pauta da poesia brasileira contemporânea, tenho inclusive escrito criticamente sobre o formato “poema longo” nos últimos anos, e tive lá meus modelos. Pedra de Sol é um deles.

Por que Pedra de Sol é um poema tão importante?

Em 1790, a Pedra de Sol, o grande calendário asteca, foi desenterrado no pátio do Palácio Arquiepiscopal, na Cidade do México. O Iluminismo latino-americano tem nessa vinda à luz de um monumento pré-hispânico um de seus momentos mais significativos. Ou seja, a Pedra de Sol, que hoje está exposta no magnífico Museu Nacional de Antropologia, é de fato um ícone mexicano maior. Simboliza muito. Octavio Paz encarou esse fato de frente: escolheu um número de versos (584) que corresponde não ao calendário solar, ocidental, mas àquele que organizava alguns ciclos histórico-míticos antes da chegada dos europeus, e que davam origem aos diferentes “Sóis” (ou eras) do mundo asteca (contagem de tempo circular que foi interrompida, claro, pela chegada da concepção linear do tempo, judaico-cristã), e não se deteve em “atualizar” essa visão temporal -cíclica- com uma espécie de fluxo de consciência muito próprio da modernidade, que se contrapõe, como é sabido, ao dito devir temporal linear; por isso, o poema repete-se infinitamente, e os último quatro versos retomam os primeiros, tudo organizado ao redor da imagem de uma fonte que não para de jorrar, como árvore liquida, uma pletora de significantes.

O selo Demônio Negro faz edições muito especiais com grande valor estético, por que a escolha de uma edição bilíngue?

Por motivos óbvios: há muita gente que fala as línguas nas quais os poemas foram escritos numa comunidade plurilíngüe como São Paulo; não esquecer que o Brasil é um país de imigração, até hoje; ainda, que há um público leitor, universitário ou não, que estuda ou estudou essas línguas. Por outro lado, eu acho que a tradução só ganha com a presença física do original: mesmo porque a tradução em si é uma recriação, e o leitor interessado pode acompanhar pari-passu os riscos, os acertos e os erros do tradutor, o que faz com que a leitura torne-se exponencialmente mais rica.

Durante a tradução do poema como foi manter o ritmo, a simetria e o nível de semântica sem perder a intensidade da obra original? Quais são os maiores desafios de um tradutor de poesia?

A proximidade entre o português e o castelhano facilita e ao mesmo tempo dificulta muito a tradução, especialmente a de poesia. Resolvi transformar em decassílabos os hendecassílabos originais, porque a nossa língua é mais compacta. Mas às vezes, não é: revela-se mais espraiada... Por outro lado, há palavras e construções específicas que se traduzem muito mal. Exemplo: a primeira palavra do poema é “sauce”, i.e., “chorão” ou “salgueiro”, mas a primeira é uma palavra imprópria para abrir um poema com a altura de Pedra de Sol, mesmo porque dá margens a dupla interpretação, e a segunda, é longa demais, quebrava o ritmo... então, optei pela família botânica -“sálix”; todo chorão ou salgueiro é antes de mais nada um sálix; ‘tá bom, é um cultismo, mas não disse que gosto do barroco?

Qual é o tema principal do poema Pedra de Sol? Por que ele pode ser considerado como um “projeto estético-verbal”?

O tema principal é o tempo, não em sua concepção regular: é o devir, que implica, como possibilidade, em repetição. No tempo cabe tudo: amores, história, infância, a Literatura. Ainda: é o não-tempo, ou seja, aquilo que se furta ao tempo na consciência: o momento do gozo, o da perda ou entrega do sujeito no Outro, o “mundo dos pronomes enlaçados”. Sem essa possibilidade, parece dizer o poema, seríamos escravos do tempo, circular ou não. É esse destempo que devemos defender para sermos cada vez mais livres e nós mesmos, frutos do tempo e do acaso.

Quanto ao segundo tópico: parece-me uma “arquitetura verbal”, como um daqueles arcos de triunfo efêmeros que se erigiam no período barroco, e que eram destruídos no dia seguinte, origem, diga-se de passagem, de todo o nosso espírito festivo, carnavalesco. O calendário toma corpo, digamos, no entre-ar, no momento da leitura; escorregamos por ele como a nossa mente e o nosso olhar sobre um mandala oriental, e logo, podemos recomeçá-lo, ou voltar à leitura algum tempo depois. Esteticamente, essa idéia de materialização imaginária (paradoxo, claro) e de retorno circular, previstas conceitualmente pelo próprio poema, faz com que ele possa ser visto como um projeto estético-verbal.

Qual é seu trecho favorito do poema?

São muitos. Ninguém prefere as terças feiras e se recusa a viver, por exemplo, os sábados. Pedra de Sol flui magnificamente bem e, “poema de uma geração” como foi tratado desde o seu aparecimento, há mais de cinqüenta anos, nas letras mexicanas, não cessa de atualizar-se cada vez que é surpreendido pelas gerações mais jovens. É um momento alto das letras hispano-americanas, e o Brasil só tem a ganhar se conhecer melhor os seus vizinhos.

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